quarta-feira, 17 de março de 2010

Projeto Africanidade

A expressão africanidade brasileira refere-se às raízes da cultura brasileira que têm origem africana.

As bases teóricas que sustentam nossa reflexão e pesquisa são aquelas que retiram dos africanos escravizados no Brasil as rotulações, mitos e estereótipos da práticacorrente de africanização da cultura brasileira, pois tal processo ainda está emandamento. Há que se considerar que nesse processo as etnias africanas foramduramente oprimidas, ora pelo discurso da existência de um paraíso racial, ora pelodiscurso da superioridade racial “branca” em contraponto com a inferioridade dosdemais grupos étnicos estruturadores da cultura brasileira (em especial as africanas). O lugar do excepcional ou exótico dado às expressões de origem africana sempre foi fator de incômodo, sendo por isso, necessário promover uma leitura singular das manifestações artísticas e ideológicas da africanização das culturas fora do continente africano. Os africanos, que em sua maioria vieram para o Brasil na condição de escravos, constituíram, independente das agruras do novo território para onde foram transplantados, redes de produção de conhecimento, a dialética do existir fora do continente africano promoveu, entre os diversos grupos africanos escravizados, no Brasil, novas possibilidades de intercâmbio, assimilações e analogias, as quais levaram o sujeito-leitor (agente histórico) de ascendência africana a constituir-se dentro de um processo de transformação sócio-cultural no qual a fragmentação de suas culturas particulares foi, de fato, a perspectiva social mais viável para continuar a existir. Existir e pensar pela ótica da nossa “negritude” brasileira, em nossa sociedade de adoção forçada, foi uma das estratégias de africanização: quilombos, irmandades, casas de santo (terreiros) são territórios de construção cultural e política; e quando falamos de territórios nos valemos do conceito de espaços de ressignificação, onde a africanização se elabora criativa e criticamente por mais que para alguns, numa primeira leitura, os africanos escravizados serviriam apenas para o trabalho desqualificado e sem qualquer elaboração intelectual. Pensar pela ótica da africanidade faz com que percebamos que devemos desmontar estas armadilhas ideológicas pois, numa mesma imagem podemos constatar informações que têm sido de forma sistemática deturpadas na leitura racista do lugar dos afrodescendentes em nossa cultura. Tomemos por exemplo a gravura de Debret “Aplicação do castigo da chibata”, onde podemos ler na imagem que a chibata que castiga um escravo está na mão de um outro escravo. Comparando esta imagem com uma cena do filme “Barão de Mauá”, onde também é na mão de um escravo que está a chibata, vemos na continuidade das imagens (do filme) que o “feitor” é morto por ter assassinado a “peça” e, assim, ter gerado um grande prejuízo ao seu senhor. Nestas duas imagens numa leitura descontextualizada, poderíamos supor que a prática da escravidão e seus castigos era aceita tanto pelos senhores, quanto pelos escravos. Entretanto, o diferencial que desejamos trazer para esta a leitura africanizada desta prática social, que durou aproximadamente três séculos no Brasil, implica em de reconhecer os diferentes contextos históricos. Convém apontar que o período áureo da escravidão africana já havia acabado e aqui tal prática ainda permanecia existindo, como hoje, em pleno século XXI, ainda são feitas denúncias de trabalho escravo no país. O processo de escravidão africana representava para economia colonial atémeados do século XVII, umas das principais formas de garantir lucratividade. Entretanto, como se sabe, a fuga de negros para os quilombos começou a pesar na balança pois o investimento em capturas era alto e o resultado pouco eficaz para alguns senhores de escravos. Aliado a este fato, as organizações africanas mobilizavam um número bastante representativo de membros, entre escravos, forros e alforriados em prol da compra de cartas de alforria. Estes homens e mulheres conseguiram que outras ações fossem tomadas a fim de garantir a participação política de afrodescendentes.

As imigrações africanas foram decisivas para produção, devido ao trabalho realizado, mas sobretudo pelos conhecimentos tecnológicos trazidos. Além do trabalho incessante, os conhecimentos na área de mineração, produção de ferro, agricultura e construção de engenhos, tiveram papel fundamental na economia colonial. As culturas Africanas tornaram-se parte significativa da cultura brasileira. Mesmo a história política e do pensamento nacional não pode ser realizada sem o reconhecimento da participação sistemática dos africanos e descendentes.

A expressão africanidades brasileiras refere-se às raízes da cultura brasileira que têm origem africana. Dizendo de outra forma, queremos nos reportar ao modo de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprio dos negros brasileiros e, de outro lado, às marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia. Possivelmente, alguns pensem: Realmente, é verdade o que vem de ser dito, pois todos nós comemos feijoada, cantamos e dançamos samba e alguns freqüentamos academia de capoeira. E isto, sem dúvidas, é influência africana. De fato o é, mas há que completar o pensamento, vislumbrando os múltiplos significados que impregnam cada uma destas manifestações. Feijoada, samba, capoeira resultaram de criações dos africanos que vieram escravizados para o Brasil e de seus descendentes e
representam formas encontradas para sobreviver, para expressar um jeito de construir a vida, de sentila, de vivê-la. Assim, uma receita de feijoada, de vatapá ou de qualquer outro prato contém mais do que a combinação de ingredientes: é o retrato de busca de soluções para manutenção da vida física, de lembrança dos sabores da terra de origem. A capoeira , hoje um jogo que promove o equilíbrio do corpo e do espírito pelo seu cultivo, nasceu como instrumento de combate, de defesa.